quarta-feira, 14 de novembro de 2012

O job que passei pra mim


E um belo dia me dei conta que o email que espero não vai chegar nunca.

Eu lá, sempre checando: reload, reload, reload. De vez em quando chega, sim, uma comanda. Um texto, uma pauta, um freela. Um cartaz, uma ilustra, um convite.

Eu lá, dando conta: ficou bom?, é o que queria?, é o que espera? 

Reconhecimento - em palavras e na conta - é sempre bom, né?, mas não bastava. Acabava o job e eu ainda esperava algo, que podia ser mais, que podia ser melhor. E reload, reload, reload.

Até entender finalmente. É de mim que vai vir a encomenda que espero. Sou eu que estou me devendo um email.

domingo, 9 de setembro de 2012

360° com benefícios



Há quem diga que a vida anda em ciclos, que a gente revisita sentimentos, e repete as histórias dos nossos pais - e não raro as nossas mesmas. Quantas vezes nos pegamos nas mesmas armadilhas ou repassando histórias a limpo - com sorte, com menos sofrimentos e mais prazer. É por isso que eu gosto de pensar nesse percurso como o de uma espiral, você passa ali perto, trisca o que era anos antes mas já não está mais - não estará nunca - no mesmo lugar.

Não sei se é de propósito então que me rematriculei no mesmo clube, no mesmo horário, com o mesmo professor de natação de alguns anos atrás. Entre uma braçada e outra, me senti uma sortuda de ver que dez anos a mais não me pesam - me aliviam. Tudo ficou mais simples.

A mensalidade já não é um problema, meus horários são mais flexíveis - isso para falar da parte prática. Lembro do esforço que era negociar comigo mesmo a presença nas aulas, cada 50m a vencer era uma barganha interna, um eterno para-ou-continua.

Hoje, se continua faltando fôlego, já não sobram mais as dúvidas inúteis, ao contrário: sobra prazer. Não que eu não precise, longe disso - mas de repente vi que não nado mais atrás de resultado nenhum, mas da alegria do contato com a água, dos músculos se alongando, do coração batendo cadenciado num corpo vivo, pulsante, feliz.

Percebo também que o olhar do estranho sobre mim não me incomoda mais. A pele de recém-chegada, de fora do rebanho, de estrangeira, não me dói mais em nada. Ignoro - não o outro, mas sua opinião sobre o que não lhe diz respeito.

Minha vida, minhas performances, meu corpo nunca me pertenceram tanto - e celebro em silêncio, respirando a cada quatro ou cinco braçadas, a alegria de envelhecer.

sábado, 14 de julho de 2012

Um carnaval no engarrafamento




Eram tão poucos dias que ainda se podia contar em horas: fazia 48 horas que eu tinha voltado a Brasília, e eu estava uma chata. Mais que isso, eu estava infeliz. Ou mais: eu estava com raiva.

Eu olhava para os prédios da W3 e ficava com raiva. Os prédios, as árvores todas iguais me irritavam. As perguntas das pessoas, a alegria das pessoas. Era ingrato, era bobo, eu sei – mas era assim apesar de mim.

Aí uma hora eu estava dirigindo e no rádio tocou Osvaldo.

Uma vez eu escrevi na coluna do Noblat como tudo fica mais leve quando não estamos implicados - como a beleza é mais visível vista de longe. A música do Osvaldo foi o antônimo disso.

Por todo o excesso de dramaticidade das letras, pela musicalidade fácil demais e sobretudo por Lua e Flor, Osvaldo Montenegro é uma referência musical negativa. É difícil admitir em público que se gosta, é difícil defendê-lo das críticas.

Mas paciência: a minha adolescência em Brasília, no final da década de 80, teve a ver com curtir Osvaldo. Fazer lual, dançar no Galeria, acompanhar a mistura de musical com teatro com sonho que eram os espetáculos do Osvaldo, sonhar em ser menestrel e em, numa tarde quente, ir-me embora de Brasília num submarino no Lago Paranoá.

É o tipo da coisa que, depois que a gente cresce e vira meio roqueiro metido a gostar de bandas desconhecidas e levemente depressivas a gente não quer muito lembrar - nem falar a respeito. A gente não quer mais se implicar com isso, mas...

Mas de repente vem a música do Osvaldo no rádio e você dirigindo pelo eixinho de cima, vendo passar os predinhos todos iguais, as arvores verdinhas cheias de sombra todas iguais, o céu azulzão lá em cima, os quadradinhos das janelas e, caralho, você gosta.

Dentro do peito você briga feio com você mesma e acaba ridiculamente chorando - para, pior de tudo, ainda por cima ser acusada de ter se emocionado com a música boboquinha do Osvaldo, a música que saiu do rádio, te agarrou pelo pescoço, deu três sacudidas e murmurou no seu ouvido: ei, para de brigar. Você chegou.

Faz seis meses que eu cheguei. Eu parei de brigar comigo mesma. E, sinceramente, até aqui, tudo bem.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Ao quadrado


Ontem nasceu um blog novo, meu e da Dani Cronemberger, uma amiguinha da minha irmã mais nova, que eu conhecia só das idas e vindas conjuntas da escola, e que nos últimos meses se tornou uma companheirona.


O Quadrado é um monte de primeiras vezes: a primeira vez que eu tenho um blog temático - ele é sobre Brasília - a primeira vez que eu tenho um blog com alguém, a primeira vez que eu vou blogar sem falar do meu próprio umbigo.


Sempre rolou uma certa culpa, no Croissant e aqui, de ficar publicando coisas que talvez não interessem ninguém. Eu sempre falei de coisas interiores - o que é bem diferente de coisas íntimas, que eu, como deve ser, reservo aos íntimos - impressões só minhas mas que eu via refletida na vida de tantas outras pessoas. Dividindo impressões com vocês aprendi mais sobre o que é ser humano: tão individual e tão igual a todo mundo ao mesmo tempo.


Então a experiência do blog temático é um desafio: enquanto aqui eu sempre postei quando dava na telha, lá, pra funcionar, tem que ter um certo ritmo, um certo interesse público. Sei lá se vai dar certo.


Mas é gostoso demais fazer uma nova aposta e - melhor - trocando figurinhas com uma amiga com quem a gente se identifica.


Espero que vocês curtam também e me visitem por lá e por aqui.



segunda-feira, 25 de junho de 2012

Um vício a mais



Se você acha que a sua vida já é suficientemente complicada com emails a gerenciar, todas as suas questões inerentes ao facebook (publicar esta foto queimará meu filme junto aos colegas da repartição?, por que diabos aquela vaca compartilha e não cita a fonte?, etc), o maravilhoso mundo estético dos filtros do instagram e, o maior de todos os vícios supremos, pinterest e o mundo perfeito, tenho uma boa e uma má notícia.

Ambas atendem pelo nome de cinemagram.

Esta praga de aplicativo vai transformá-lo num criador de gifs animados em um minuto. Mas espere: não é qualquer gif animado. São gifs com filtros! Exatamente, filtros instagrâmicos!

Você vai descobrir um mundo novo de mini cenas da vida real absolutamente fúteis, ainda mais fúteis que as que você vê diariamente no instagram, levemente distorcidas por um efeito psicodélico. As imagens são muito, muito piores do que as do insta pelo simples motivo que nós, usuários idiotas, temos agora a obsessão do movimento.

Se o old school instagram se trata da poetização da imagem banal por meio dos filtros, aqui o objeto é a poetização do movimento banal pelo mesmo meio. Agora põe banal nisso. Prepare-se para chuvas, redes movimentando-se lentamente, torneiras abertas... 

Mas... quem resiste?

terça-feira, 19 de junho de 2012

E se...




Eu já compro sabendo que vou me aborrecer, mas não pude resistir à chamada de capa da revista Mundo Estranho: e se... Brasília não tivesse sido construída?

Depois de um abre que repete informações que aprendi na quarta série, a revista traz um compêndio de elucubrações que vão muito além da criatividade usual.

Para quem não acompanha o tema, a criatividade usual reza que, se a capital do Brasil ainda fosse no Rio, haveria muito mais protestos e mobilizações sociais reivindicando o fim da corrupção, dos privilégios e da roubalheira na política do país. Pena que isso não se veja no próprio Rio de Janeiro em relação a Sérgio Cabral Cachoeira Cavendish & cia ltda - e que a política carioca seja uma das mais nojentas do país. É um argumento que não faz o menor sentido, portanto, mas com o qual eu já estou acostumada.

O legal é que aqui ele aparece em uma variação recheada de preconceito: "funcionários públicos viriam mais do Sudeste do que de outros cantos do país, portanto teriam melhores condições de se mobilizar". Claro - pois, como se sabe, não existe no Brasil gente mais engajada politicamente do que os paulistas e cariocas. Talvez gaúchos e pernambucanos tenham alguma coisa a dizer sobre isso.

Mas vamos às novas vantagens de Brasília nunca ter sido construída, segundo a Mundo Estranho:

- O Rio seria pacificado. Juro. "A presença do poder federal no Rio desestimularia o crescimento do crime organizado. A cidade seria menos violenta, com morros desocupados ou dominados pelo Exército".  Peraí, deixa eu entender: a presença do governo estimula ou desestimula o crime organizado? O argumento de base não é que onde há política há fogo?

- Seríamos "mais sudeste" e "menos centro-oeste": aí eu concordei. Seríamos mesmo. Só que, ao contrário da linha da matéria, acho que isso seria uma merda. "A região Sudeste centralizaria ainda mais as atenções, com o centro produtivo e financeiro em São Paulo e o político no Rio". Claro, porque hoje, sem o poder político o Rio é um peso morto - tirando, talvez, que se trata do segundo PIB do país. O mais legal é a consideração com Goiânia que a matéria tem: "Goiânia seria mais modesta" (porque hoje ela é o que? Arrogante?) "e não haveria interesse político em criar o estado de Tocantins". Peraí, então isso é tudo a que se resume o desenvolvimento do centro-oeste brasileiro? E o Mato Grosso? O Mato Grosso do Sul? O Pará? A produção agrícola brasileira? E o acesso à Amazônia? Nossas fronteiras? A marcha para Oeste se resume então aos interesses políticos da criação do estado de Tocantins? 
 
Mas a melhor de todas está por vir:

-  Seríamos "mais verdes", o que sempre pega bem hoje em dia. Agora sente o porquê: "Empreiteiras têm grande influência na política desde a construção de Brasília. Partidos que têm relação próxima com essas empresas, como o PMDB, não teriam tanta força - e, com isso, grupos cariocas como o PV poderiam crescer". Achei uma concatenação lógica aguçada. Até a parte da força do lobby das empreiteiras eu segui o argumento. A parte do PMDB eu achei elogiosa para os outros partidos políticos (menção hornosa ao PV citado nominalmente), mas o melhor foi a relação com fazer crescer grupos cariocas. Só no Rio existem partidos totalmente imunes a lobbies, como a matéria atesta ser o caso do PV? E os grupos políticos moralmente evoluídos dos outros estados, não cresceriam? Aliás... não tem PMDB no Rio?! Gente!, qual o partido do Cabral?!, eita!

Tem outras partes menos engraçadas, tipo ter mais artistas na política ("Tony Ramos para presidente" é o mote) ou o tipo de pressão popular que a Dilma receberia caminhando no calçadão de Copacabana.

Mas o pior é que o teor da matéria não me espanta. Todos (eu disse todos) os editores das revistas pra quem eu frilo me saudaram com um "você chega quando a São Paulo?" quando eu disse que estava voltando de Paris. Tudo o que a gente lê é produzido por uma gente encastelada no ar condicionado de algum prédio de Sampa ou do Rio, que não sabe nada de moringas, maniçobas, jerimuns, piás - gente que não sabe nada do resto do país.

Se isso é o mais perto que uma revista ludo-científica ou "para curiosos" que nós podemos chegar, francamente, estamos arrumados.

domingo, 17 de junho de 2012

As perguntas da vida


Quem é Deus? Por que os bons morrem?

Qual a medida de egoísmo que existe em acharmos que o mundo acabou quando perdemos alguém que amamos? Em que medida esta impressão não é de fato absolutamente legítima, posto que o mundo nada mais é do que cada um de nós concebe como sendo o mundo?

Como se educa um filho? Qual o papel da disciplina na educação? O que é um pai? O que é uma mãe? O que é zelar pela harmonia, o que é submeter-se?

O que são os irmãos? Que relação é essa que mistura com tanta intensidade amor, inveja, competição, cumplicidade, carinho, ternura, compaixão, solidariedade, fidelidade, raiva?

Por que devemos ser bons? O que é ser bom? O que é ser mau? O que separa uma coisa da outra?

Do que somos feitos? O que somos, além de matéria e energia? De onde viemos? Para onde vamos?

Quem é você?

Um filme que perdi na época que saiu no cinema - e ainda bem. Não sei se poderia ter digerido um terço do que digeri se não estivesse sozinha, no escuro, no silêncio confortável da minha casa.

Um filme quase sem enredo, sem explicações desnecessárias, sem diálogos, sem ação. Um filme de perguntas - e mais que isso: sem respostas.

Tocante, difícil, profundo, adulto. Um filme feito como se faz literatura, não como diversão mas como arte.